Atividades educativas, campanhas de sensibilização e informações precisas são estratégias fundamentais para superar mitos e barreiras culturais, que, muitas vezes, impedem que as pessoas se tornem doadoras. Por meio de palestras, workshops e eventos, é possível esclarecer dúvidas e compartilhar histórias de sucesso, inspirando mais indivíduos a considerar a doação como uma opção solidária.
Considerada esperança de vida ou a oportunidade de um recomeço, a doação de órgãos é vista como um ato de amor e humanidade, de extrema importância, para milhares de pessoas. As concessões podem ser feitas por doadores vivos (que podem doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula e parte dos pulmões), e doadores não vivos (que podem doar rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado, intestino, córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, veias e artérias).
No caso de doadores vivos, podem doar, conforme o Ministério da Saúde (MS), pessoas maiores de idade e juridicamente capazes, saudáveis e que concordem com a doação. Podem ser doadores, segundo a legislação, parentes até o quarto grau e cônjuges. Para pessoas não aparentadas, é exigida autorização judicial. Além disso, o MS afirma ser preciso realizar a avaliação da história clínica do doador, bem como de doenças prévias e da compatibilidade sanguínea com o paciente que irá receber a doação.
O diálogo aberto e sincero entre familiares e amigos também é um componente-chave. O apoio dos parentes é crucial no momento da decisão de doar os órgãos de um ente falecido. Portanto, incentivar as pessoas a conversarem sobre esse assunto com seus familiares e amigos é fundamental para garantir que a vontade do doador seja respeitada.
Já para doadores não vivos, é necessária a autorização familiar, visto que a informação registrada no documento de identificação deixou de ter validade. Para conscientizar a população a respeito da importância do ato e sensibilizar as famílias acerca da concessão, foi instituído no Brasil, por meio da Lei nº 11.584/2007, o Dia Nacional da Doação de Órgãos, celebrado de forma anual em 27 de setembro. O mês é marcado pela campanha “Setembro Verde”, onde diversas ações são realizadas com o intuito de reforçar a importância da doação.
Neste contexto, a Alego assume um papel proativo na promoção da doação de órgãos no Etado de Goiás. Por meio de iniciativas, como audiências públicas, discussões em plenário e aprovação de projetos de lei, o Parlamento estadual tem trabalhado para criar um ambiente favorável à doação e conscientização da população.
As audiências públicas permitem reunir especialistas, profissionais de saúde, pacientes e familiares para debater amplamente a importância da doação de órgãos e discutir maneiras de aprimorar os processos relacionados. Esses encontros proporcionam uma compreensão valiosa para o aprimoramento da legislação e políticas públicas voltadas para a área.
Estatísticas
De acordo com o Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG), referência nos serviços de transplantes em Goiás, o número de doações efetivadas ainda é pequeno. A unidade de saúde evidencia que, conforme levantamento, de 41 casos de doações elegíveis, apenas 13 situações foram, de fato, concretizadas.
O HGG realiza cirurgias de transplante desde o ano de 2017 e pontua que, até agosto de 2023, 805 transplantes renais foram realizados na unidade, o que representa, segundo o Governo Estadual, 92% dos procedimentos registrados em Goiás. Houve, ainda, 45 transplantes de fígado. Os números colocam o HGG entre os dez maiores centros transplantadores de rins no Brasil, de acordo com dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) salienta que, somando os números de todo o território goiano, contanto com as demais unidades de saúde, de janeiro a junho de 2023, foram realizados 474 transplantes de órgãos e tecidos, o que representa um aumento de 47,5% em relação ao ano de 2022. No total, foram, de acordo com a pasta, 17 transplantes de medula óssea, 87 rins, 3 fígados, 334 córneas, e 5 musculoesqueléticos.
Já em âmbito nacional, dados do Ministério da Saúde apontam que, no primeiro semestre de 2023, foram realizados mais de 4,3 mil transplantes. O MS pontua que, segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), esse quantitativo representa aumento de 16% no número absoluto de transplantes de órgãos, em comparação com o mesmo período de 2022. O período também registrou mais de 1,9 mil doadores efetivos de órgãos e 6,7 mil potenciais doadores.
Lista de espera
O Ministério da Saúde evidencia que o Brasil é referência na área de transplantes, sendo o 2º maior transplantador do mundo, com maior sistema público de transplantes. A lista de pacientes que aguardam por doadores compatíveis é atualizada diariamente e disponibilizada para consulta pública (veja neste link). Atualmente, conforme dados da plataforma, mais de 40 mil pessoas esperam por transplantes de órgãos no País.
O maior número de demanda é voltado para o transplante de rim (+ de 37 mil), seguido de fígado (+ de 2 mil) e coração (+ de 380). Em Goiás, conforme dados da Central de Transplantes do Estado, até a presente data, mais de 1.500 pessoas aguardam por uma córnea, mais de 400 esperam por um rim e 13 encontram-se na lista na espera por um fígado.
“Um transplante de órgão é indicado apenas em situações complexas, quando há realmente falência (do órgão), sem a possibilidade de recuperação de suas funções”, pontua o médico cirurgião Luiz Gustavo Guedes Diaz. Especialista em transplante de fígado, o profissional explica que a fila de espera é muito complexa. “Às vezes, têm muitos doadores em poucos dias. Já em outros, ficamos semanas sem conseguir pessoas compatíveis”.
Guedes afirma existirem critérios prioritários, como compatibilidade e nível de urgência, mas exclui a probabilidade de privilégios. “A gente vive com um sistema que é totalmente transparente. Não existe no Brasil a possibilidade de furar a lista de espera para o transplante. Tudo acontece no tempo certo e ágil, desde que tenha um doador compatível”, frisa.
Um exemplo citado é referente ao apresentador Fausto Silva, conhecido como Faustão, que, recentemente, necessitou de um transplante de coração e, dias depois, encontrou um órgão compatível e realizou a cirurgia. “O que aconteceu com o Faustão, acontece direto. Neste ano, em torno de 30% dos pacientes que entraram na lista de transplante de coração efetuaram o procedimento em menos de 30 dias”, destacou.
O portal do Ministério da Saúde salienta que “a lista para transplantes é única e vale tanto para os pacientes do SUS quanto para os da rede privada”. Além disso, é baseada “em critérios técnicos, em que a tipagem sanguínea, compatibilidade de peso e altura, compatibilidade genética e critérios de gravidade distintos para cada órgão determinam a ordem de pacientes a serem transplantados”.
Recomeço
Um caso de sucesso e, sobretudo, de amor e humanidade, é exposto por Manoel de Oliveira Neto, neto do ex-deputado goiano Mané de Oliveira. Diagnosticado com insuficiência renal crônica, aos 20 anos de idade, quando foi parar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), realizou, por quatro meses, de agosto a dezembro de 2008, 49 sessões de hemodiálise.
Ao acompanhar de perto a luta do enteado, a madrasta de Manoel Neto, Martha Karina Ferreira Arraes Oliveira, foi em busca de outras alternativas e descobriu que poderia doar um de seus rins para o rapaz. Ao apresentar a proposta para a equipe médica, entretanto, foi informada de que não havia compatibilidade suficiente para a realização do transplante. “Nossa compatibilidade foi de 17%, apenas. Disseram que ela iria desperdiçar o seu órgão”, contou Manoel Neto.
Diante do fim da esperança, encontraram, portanto, uma luz. “A gente estava praticamente desistindo, quando um médico que tinha acabado de voltar de uma residência em São Paulo nos disse que, lá, os médicos realizam transplante de rim com até 7% de compatibilidade e que poderíamos efetuar o procedimento sem problemas”, relatou.
Em seguida, Martha e Manoel procuraram, então, um novo especialista para dar início ao processo. “Ela teve que fazer vários exames, engordar 22 kg, mas, graças a Deus, deu tudo certo”, celebrou o rapaz, com a afirmativa de que, já de imediato, voltou a ter uma vida normal. “Hoje, 15 anos depois da cirurgia, vivo com pouquíssimas restrições e ela com nenhuma”, salientou.
Manoel Neto destacou a evolução da medicina, o acesso à informação e o ato de amor da madrasta como pontos primordiais para que permanecesse vivo, visto que há um histórico familiar, inclusive de sua mãe biológica, que faleceu pelo problema quando ele tinha apenas cinco anos de idade. “Se ela tivesse vivido nos tempos atuais, tenho certeza que não teria morrido”, disse.
“Hoje, eu tento encorajar todo mundo que conheço. Visito clínicas de hemodiálises, apresento minha história e oriento as pessoas a procurarem um transplante, pois as chances de dar errado são muito baixas”, acrescentou o rapaz, que evidencia, ainda, o sentimento de gratidão pela atitude de Martha, na qual também se refere como mãe. “Ela me deu a chance de viver, me criou desde pequeno e a considero minha mãe. Chamo ela de mãe, porque é o que sempre foi para mim”, frisou.
Conscientização
A orientação passada pelos profissionais de saúde é para que as pessoas informem, em vida, aos familiares, o desejo e a permissão da doação de seus órgãos. “A maioria das famílias acabam não autorizando a doação por diversos motivos, como questão religiosa, por não conhecerem o sistema, dentre outros. A comunicação a respeito é uma atitude que facilita a decisão em um momento tão delicado para todos”, explica Dr. Luiz Gustavo.
Médico e presidente da Comissão de Saúde no Parlamento goiano, o deputado estadual Gustavo Sebba (PSDB) destaca a importância de ações que possam viabilizar a ampliação da doação de órgãos no Brasil. “O Dia Nacional da Doação de Órgãos é uma oportunidade crucial para refletirmos sobre a vida e a esperança que o ato, capaz de salvar vidas, oferece. É fundamental que todos compreendam a importância de se tornarem doadores e compartilharem essa decisão com seus entes queridos”, pontua.
“A Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Goiás está empenhada em promover a conscientização sobre esse ato nobre e altruísta. Juntos, podemos fazer a diferença e dar a alguém uma segunda chance de viver. Vamos trabalhar em conjunto para tornar a doação de órgãos uma parte integrante de nossa cultura e, assim, salvar mais vidas”, acrescenta o deputado.
Atuação parlamentar
Na Alego, diversas ações voltadas à temática são realizadas, além da apresentação de proposituras pertinentes ao assunto. No último dia 19, o deputado Wilde Cambão (PSD) promoveu uma sessão solene para homenagear profissionais e familiares envolvidos na doação de órgãos. A solenidade reconheceu centenas de pessoas envolvidas em auxiliar doadores, familiares e pacientes que receberam transplantes, e destacou a importância da conscientização para a doação de órgãos.
Em abril deste ano, o Poder Executivo goiano sancionou a proposição nº 5292/19, do deputado delegado Eduardo Prado (PL), que institui o “Cadastro Estadual de Doadores de Órgãos e Tecidos”. A Lei Estadual n° 21.859/23 tem como objetivos diminuir o tempo de espera na fila de transplantes e aumentar o número de órgãos doados.
Por meio da norma, será disponibilizado para cadastro o site oficial da rede estadual de saúde do Estado de Goiás, com sigilo de dados cadastrais e acesso autorizado apenas para outros órgãos. O doador terá acesso a consulta de seus dados e será emitido um certificado que comprove a sua condição de doador de órgãos e tecidos. A pessoa interessada receberá orientações e terá a opção de efetuar o cadastro para que doe em vida (como no caso da doação de medula) ou pós-morte. A finalidade é aprimorar o processo de doação.
Já em agosto, foi sancionada a propositura nº 4383/20, também de iniciativa de Prado, que cria em Goiás o mês “Setembro Verde”, com o objetivo de promover ações educativas divulgadas nos meios de comunicação, afixação de cartazes e folhetos educativos em órgãos públicos e locais de uso público, além de realização de eventos e palestras para a conscientização da população.
“A doação de órgãos é um ato de altruísmo e solidariedade que pode transformar a trajetória de alguém que está lutando pela vida. Através dessa ação, podemos oferecer uma segunda chance a quem enfrenta enfermidades graves e condições de saúde desafiadoras”, enfatizou o parlamentar, na justificativa da matéria.
No presente mês, foi aprovado, ainda, no Legislativo goiano, o projeto nº 1120/22, de autoria do deputado Talles Barreto, que trata da comunicação da Central Estadual de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos de Goiás (CNCDO-GO). A matéria estabelece que a instituição comunique aos pacientes receptores sobre doadores compatíveis por todos os meios de comunicação possíveis, isto é, ligações telefônicas, SMS, e-mail ou, ainda, WhatsApp.
O texto também determina que o Poder Executivo regulamente, inclusive, quanto às formas de fiscalização e possíveis sanções. Para justificar a iniciativa, o deputado levou em consideração a importância da celeridade na luta das pessoas que aguardam por um doador compatível. Barreto lembra que as ligações de telemarketing, por diversas vezes inoportunas, criaram a cultura de ignorar chamadas de números desconhecidos.
“Soma-se a isso o fato de que a Central de Transplantes só entra em contato por ligação e, quando não se estabelece a comunicação, é obrigada a pular para o próximo paciente da lista. É nesse momento que muitos pacientes perdem sua vez na fila por um órgão”, frisa. O legislador destaca, ainda, que a matéria vai ao encontro das competências do Estado em assegurar a proteção e defesa da saúde, reiterando a importância e legalidade do tema.
Também tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) da Casa de Leis, o projeto de lei nº 1181/23, apresentado recentemente pelo deputado José Machado (PSDB). A matéria dispõe sobre a concessão de benefícios aos doadores de órgãos em Goiás, tais como isenção de taxas e tarifas em serviços públicos estaduais, no transporte público, taxas cartoriais, emissão de documentos, entre outros.
Na justificativa da matéria, o deputado evidencia que a doação de órgãos é uma prática fundamental para salvar e melhorar a qualidade de vida de muitas pessoas que aguardam na fila de transplantes. Entretanto, ele afirma que a falta de incentivos pode ser um fator limitante para que mais voluntários se apresentem. “Dessa forma, esperamos aumentar o número de doadores no Estado de Goiás e contribuir para salvar mais vidas’’.